O ano de 2024 parecia distante para quem, quando criança, ouvia Beatles e assistia a filmes de heróis de guerra. Era um ponto no futuro, com um sentimento de infinitude. Mas o ano de 2024 chegou rapidamente, trazendo mudanças enormes comparadas à época do iê-iê-iê, quando meninas de minissaias desmaiavam por seus ídolos cantores e sonhavam com seu príncipe encantado.
Na primeira Olimpíada da minha vida, em 1964, apenas 13% dos participantes eram mulheres. Em Paris, 60 anos depois, esse número subiu para 50%. Se, em 1964, a delegação do Brasil era composta por apenas 5% de mulheres, em 2024 elas representavam 55% dos membros da equipe brasileira, e ganharam 100% das medalhas de ouro e 60% do total de medalhas olímpicas do Brasil.
No campo acadêmico, o mundo evoluiu muito desde que nasci. Em 1961, na população norte americana, 10% dos homens e 5% das mulheres tinham formação universitária. Hoje, são 36% dos homens e 39% das mulheres. Uma estatística ainda mais significativa nos diz que, na faixa etária de 25 a 34 anos, tanto nos EUA quanto na Europa, 35% dos homens e 45% das mulheres são formados em universidades. As meninas que nascem em 2024 são a primeira geração, em milênios, a poder enfrentar os preconceitos seculares de misoginia em pé de quase igualdade. Nascem com a missão e o desafio de co-liderar a raça humana, e por isso precisam ter em mente que podem - e devem - se guiar pela razão.
O estado natural da humanidade é o estado de emoções. Nossas tristezas e mazelas surgem de uma ligação excessiva a coisas que não possuímos. Assim, nascem a inveja, o ódio, o ciúme e outras paixões. Movidos por paixões, os seres humanos se voltam uns contra os outros. É livre aquele que vive pela razão e não pela emoção, compreendendo a origem e o “porquê” das coisas acontecerem. Por outro lado, o verdadeiro escravo é aquele que, ao não utilizar a razão e o conhecimento acumulado, vive de crenças infundadas, que podem se tornar paixões, das quais o ser humano se torna escravo. Só é livre, portanto, aquele que tem conhecimento e usa a razão.
O grande diferencial dos seres humanos, em relação aos demais seres vivos, advém de sua capacidade de observar a natureza com método científico, aliado ao estudo dos conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo de milhares de anos. Esses conhecimentos se encontram em matérias como matemática, física, química, biologia, botânica, geologia, entre outras.
Em todas as culturas, Deus é a Natureza e a Natureza é Deus. Afinal, todos os átomos que compõem nossos corpos, e tudo o que é animado ou inanimado no Universo, vêm da mesma origem. A Terra existe há 5 bilhões de anos, 70% do planeta compõe-se de água e os seres vivos vegetais respondem por 80% da biomassa. A história está escrita nas rochas, nos oceanos, nas florestas, nos desertos, por toda parte. A necessidade fundamental do estudo da ciência está em capacitar o ser humano para usar a razão e, portanto, tornar-se verdadeiramente livre.
Para o bem ou para o mal, os seres humanos são os únicos seres vivos capazes de, usando matérias-primas da natureza, construir “coisas” que não vieram da própria natureza. Por isso, a importância do estudo das linguas/gramáticas, da arquitetura, da literatura, da poesia, da engenharia, da escultura, da pintura, do teatro, do cinema, da culinária etc. A raça humana se expressa através das artes desde os tempos imemoriais das cavernas. A arte nos define como espécie, e nos diferencia dos demais seres vivos.
Dentre todas as formas de vida, os humanos são os mais frágeis e os que demoram mais tempo para se tornarem adultos. Quanto à longevidade, por exemplo, não se comparam aos vegetais e, em termos de força, aos animais com casca, pelos, garras, etc. Nosso corpo é nosso templo, e deve ser cuidado. Estimular e aprimorar nossos corpos através dos esportes, da yoga, da musculação, da flexibilidade, da velocidade, da respiração, da alimentação natural é imprescindível.
Por ser gregário, o ser humano vive em tribos, nações, exércitos, … , sempre movido por uma narrativa ou uma história escrita por alguém com um propósito. Esse propósito pode ser bom ou ruim, e quem não fizer política, será comandado por alguém que a faz. Não tem como evitar. Daí a necessidade de se estudar História, Geografia, Economia, Administração, Psicologia e Política, para que haja compreensão das organizações humanas nas quais todos, inevitavelmente, se inserirão, independente da vontade. Desenvolver a generosidade e a calma para compreender o próximo é essencial.
Não existe qualquer tribo ou agrupamento humano que não reverencie um Deus. A humanidade busca se integrar com o Universo, ou seja, com a Natureza, e cria religiões para atender a essa necessidade vital. Não obstante o seu credo, o fundamental é o entendimento de que a religião nunca deve atrapalhar a busca pelo conhecimento e pelo uso da razão. Independente de ser cristão, judeu, muçulmano, budista, hindu, ou outros, o importante é o exercício da meditação profunda (do “rezar”), a qual permite que o ser humano se integre ao Universo, ainda que por alguns minutos, e obtenha a consciência de que fazemos parte de um todo infinito e eterno. Deve-se evitar as religiões dogmáticas, ou pessoas que pregam uma lógica humana atribuída a Deus.
Sei que as crianças que nascem este ano viverão em um mundo dominado pela tecnologia digital, e os conceitos aqui mencionados lhes parecerão ultrapassados. Justamente por isso, deixo registrado: a tecnologia deve funcionar para ampliarmos nossa capacidade de entendermos cada vez mais a Natureza / Universo, para nos auxiliar a fazermos as perguntas certas, e nos dar a capacidade de exercitarmos a razão para o bem de tudo e de todos.
Essas meninas que agora nascem têm a missão de co-liderar uma nova sociedade que está sendo desafiada pelas questões climáticas. Devem honrar a geração de suas bisavós, avós e mães, que tanto lutaram para que a mulher alcançasse, em poucas décadas, uma posição de quase-igualdade com os homens, almejada por milênios. Que essas meninas, quando mulheres, sejam capazes de aprimorar a sociedade humana, adicionando o lado positivo do “feminino” nas instituições.
A forma de governar precisará mudar. Afinal, enfrentamos o maior desafio da historia humana, que só será superado com equilíbrio, altruísmo e amor ao próximo e a todos os seres vivos. Com uma “multidisciplinar” forma de ver o mundo, que lhes é natural, as mulheres podem equilibrar o modelo masculino, o qual colocou em risco a vida no planeta.
Nessa nova sociedade, sonhamos que a definição de riqueza seja sentir o cheiro do amanhecer, admirar a beleza do pôr do sol, mergulhar nas ondas do mar, tomar banhos de chuva, ver os bichos correndo livres, passear pelas florestas, e tantos outros deslumbramentos que nos oferecem os campos do Senhor.
Nos últimos 60 anos, muito foi feito para chegarmos onde estamos no tocante à posição das mulheres na sociedade, não obstante toda a violência que elas ainda sofrem diariamente, e em todo o globo. Não é um caminho fácil. Apesar de tudo, estamos às vésperas de elegermos a primeira presidente mulher nos EUA - se não acontecer no final deste ano, será questão de pouco tempo. Não se trata apenas de uma mulher, mas uma mulher filha de um economista preto com uma doutora em biologia indiana, casada com um judeu branco, e dona de um sorriso estridente e franco, que enfrenta a sisudez dos reacionários.
Durante minha vida, as mulheres deixaram o papel secundário para trás. Nesse ano, por exemplo, as Forças Armadas, a mais masculina instituição no Brasil, passou a aceitar o alistamento de mulheres. O tempo passa rápido - afinal, não faz muito tempo que, pela primeira vez, o tema da mulher independente e livre chegou à casa dos brasileiros, através de um programa de televisão que era transmitido em horário impróprio para menores, e que desafiava o conservadorismo de uma ditadura militar. Estreiou no ano de 1979 e, espero que nao apenas por coincidência, chamava-se “Malu, Mulher”.
PS: Quem dera pudesse eu compreender a minha mae (Regina Maria) , quem dera!!
Nao deu tempo.
Mas o tempo me deu Paloma e Catarina para a redimir a minha historia.
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