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Foto do escritorFersen Lamas Lambranho

O ESPELHO MAGICO QUEBRADO


Quem acha que tem algo de novidade no mundo, é porque não conhece a Historia. E quem não conhece a Historia, está condenado a repetir os erros do passado.


Nossa memória sempre foi oral. Apenas nestes poucos últimos 600 anos (que é um pequeno lapso de tempo na história da humanidade), graças ao genial alemão chamado Gutenberg, passamos a estocar conhecimento na forma escrita e portável - além de acessível à massa de gente, a qual chamamos de livro. O livro foi primeiro impresso em papel, e agora evoluiu para o meio digital - o que é até mais portátil e cômodo.

Em 2020, dois livros lançados no Brasil são interessantes para desvendarmos o momento que vivemos.


(1) “A Bailarina da Morte” de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, aborda a gripe espanhola em 1918. Duas historiadoras competentes apresentam o que foi a pandemia do século XX, com o requinte de mostrar detalhes em diferentes lugares do Brasil.


Incrível ver como os eventos de 1918 e 2020 têm muito mais semelhanças do que diferenças, mesmo distantes por um século, e por toda a evolução tecnológica que os separam.


Estão presentes, em ambos os casos, o uso político, o negacionismo, o efeito devastador - principalmente nas populações mais carentes, e os remédios milagrosos e sem comprovação de sua eficácia, em especial a cloroquina.


Coincidências como, por exemplo e curiosidade, a percepção de que, em 1918, Belo Horizonte era uma cidade imune, e mais higiênica, por ter sido recém construída. Minas Gerais, em 2020, foi um estado que demorou para ter casos de COVID em escala, e os habitantes de BH acharam que, realmente, estavam mais imunes porque tinham mais disciplina, além de hábitos de higiene superiores, do que os habitantes das demais cidades grandes do país. Em ambos os momentos, as pestes não pouparam BH.


O mais assustador é ver que o Ministério da Saúde Federal, criado por causa da pandemia de 1918, teve sua atuação esterilizada em 2020. A justificativa para a criação do Ministério foi, justamente, para promover uma coordenação de esforços dos melhores cientistas do país, em prol da Nação. A experiência de cada estado cuidar do tema se mostrou pouco eficaz durante a gripe espanhola. Em 2020, o desmantelamento do Ministério da Saúde jogou o Brasil um século para trás, ao ponto de, dentre os países de porte, nossa população estar no fim da fila para ter acesso a uma vacina.


(2) “O Fascismo à Brasileira”, de Pedro Doria, aborda o Integralismo de Plinio Salgado, que foi o maior movimento fascista fora da Europa. O livro não é relevante por contar esta história, mas para servir de comparação com os fatos que vivemos hoje.


O movimento chamou-se “Integralismo” por imaginar que era importante a busca do ideal do homem “íntegro”. Neste caso, o homem “íntegro” não era o ser urbano, mas a volta ao caipira - o homem brasileiro “puro”.


Vamos entender que, na década de 30, o Brasil era um país ainda rural, migrando para a urbes. Este homem “integro” teria uma ética e princípios superiores ao homem urbano. Este homem “íntegro”, conservador nos costumes, contrapunha-se aos comunistas que brotavam entre os operários da indústria nascente.


O comunismo no Brasil sempre foi nanico, e prosperou no imaginário de uma elite cultural diminuta. A chamada “esquerda”, com suas centenas de nuances, só teve expressão quando, por simbiose, achou um líder popular que usou os movimentos sociais e progressistas como escada para sua ambição pessoal. O líder maior das esquerdas é definido, por todos que o conheceram na intimidade, da mesma maneira que Emilio Odebrechet expressou em sua delação: “O Lula nao tem nada de esquerda. Lula é um ‘bon vivant’”. https://youtu.be/zJfkLOwJeOQ

Jairo Nicolau, pesquisador e professor da FGV, na página 37 do seu livro “O Brasil Dobrou a Direita”, relata:


“Numa destas reunioes em que estive presente, em 1986, o convidado especial era o então presidente do PT, Luis Inacio Lula da Silva. Ele contou uma pequena história e falou uma frase que eu nunca esqueceria. A história: ao sair de um evento na Cidade de São Paulo, ele passara proximo a um comício de Janio Quadros (PTB), candidato a prefeito nas eleições de 1985, e ficara surpreso com o perfil dos participantes. Eram, segundo ele, pessoas comuns, alguns muito pobres, e um grande número de negros. Em seguida, Lula falou das características dos militantes do PT: majoritariamente brancos, jovens, profissionais de classe média, e trabalhadores do setor formal. Sua frase final foi a seguinte: ‘Eu sonho em ver pessoas como as que vi no comício de Janio frequentando as atividades do PT.’”


Em setembro de 1996, no “Manhattan Connection”, Paulo Francis vaticinou: “O único país do mundo que leva comunismo à serio é o Brasil.Tudo bafo de boca.”


Lula não foi o candidato mais votado, entre os mais pobres, nem contra Collor nem contra FHC. Só depois de 2002, quando o PT virou governo, o partido liderou o voto dos mais pobres, e o manteve até 2018.


Arrisco a dizer que a agenda progressista, em 2018, voltou para o lugar de sempre - ou melhor, voltou a ser nicho. Isso não é uma provocação, mas uma constatação.


A agenda progressista, nestes 16 anos de hegemonia do PT, nunca foi a razão dos votos da maioria. Seus líderes nada mais eram do que políticos tradicionais, travestidos e vitaminados com programas de distribuição de renda, além do “pão com mortadela”.


O tal perigo comunista / socialista no século XXI é um bode expiatório, fraudado como no episódio risível da Intentona Comunista da década de 30.


O Integralismo, esse sim, cresceu rápido nos anos 30, arregimentou multidões, e obteve uma adesão popular impressionante. Por que? Porque falava à alma conservadora do nosso povo.


Determinadas manifestações de hoje, cheias de patriotadas, agenda armamentista, e questionamentos sobre a independência das instituições democráticas, encontram paralelos nas grandes manifestações dos camisas verdes de Plinio Salgado. A denominação de “Mito”, à um candidato a Presidente em 2018, em muito lembra a adoração dos Integralistas ao seu lider.


Não foram poucos os Integralistas que fizeram história, mesmo com o fim do movimento, neutralizado graças a genialidade política de Vargas. O General Mourão, por exemplo, que colocou os tanques na estrada em Minas em 1964, e provocou o golpe militar, era um destacado integralista.


Neste contexto, chega às raias do ridículo quando falam do perigo do comunismo em nossas terras. Porém, não se pode desprezar quem usa este mote, porque estes sabem que a menção ao “perigo do comunismo” consegue mover o imaginário e o medo do brasileiro médio. O integralismo mora em nossa alma, eclipsado pela candura da nossa bossa-nova.

Os 2 livros contribuem enormemente para o exercício de construirmos um espelho que reflita o que realmente somos, e mostrar a nossa real face. A la Dorian Gray, as imagens coloridas e modernas das novelas da Globo, que invadem as televisões de todos os lares deste país continental, desfazem-se diante da dura realidade de quem as assiste.


A pesquisa do DataFolha de 25/10/2018 mostra que, em 2018, dos 10 milhões de votos que separaram os candidatos a Presidente, 11 milhões foram votos dos evangélicos. Em todas as demais religiões, deu quase empate técnico. Se considerarmos os evangélicos como proxy dos conservadores, fica claro que a disputa de 2022 se dará entre aqueles que melhor falarem aos anseios da família tradicional e cristã.



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